quarta-feira, 3 de setembro de 2014

Guerra II

Embora seja prudente não esticar demasiado a analogia (uma precaução que escapa tanta vez a tanta gente, como se irá vendo por aqui), convém dizer que esta guerra também tem os seus generais, os seus estrategos, os seus rank and file, escaramuças, grandes batalhas, guerrilha surda, também as suas represálias, massacres, vinganças ridículas, as suas quintas colunas, fases enganadoras de drôle de guerre e - aqui deixa-se a analogia e pisamos terreno literal, grosseiramente literal - a sua propaganda, a sua contra-informação, as suas manipulações, a intoxicação do público. Nesta frente os governos levam a palma. Levam-na, porque são grandes praticantes, porque detêm meios nem sonhados do outro lado e porque partem logo com vantagem ao abrir das hostilidades: são quase sempre investidos pelo público com a qualidade da credibilidade - isto é, o público, misteriosamente, tende a aceitar como mais crível o discurso governamental (afinal, um discurso político até à medula), do que o discurso adversário, como se aquele pairasse num estrato "técnico", puramente apolítico.
Os discursos alternativos aos governos são geralmente escutados com um pé atrás - não passam de manifestações de "interesses" particulares ou "sectoriais" e, numa curiosa torção retórica, são apresentados por "comentadores" e "analistas" como a prova acabada de que o governo "está certo", "está no bom caminho". Isto é, é precisamente por os discursos alternativos se fazerem ouvir, precisamente por estarem ali, que o governo "tem razão". Na verdade, dir-se-ia que a bondade da opção governamental varia na razão directa da intensidade da discordância ou, ainda melhor, do protesto. (A este respeito,veja-se a imagem recorrente do "pôr o dedo na ferida" de cada vez que um discurso próximo ou emanado de um governo provoca indignações copiosas, como se pode ver aqui.) Não havendo à partida nenhum fundamento para esta relação, constitui também um mistério que ela simplesmente se estabeleça e vá fazendo o seu caminho.

1 comentário:

  1. Bem-vido no regresso à blogosfera na qualidade de autor. Mais vale só que mal acompanhado. A tua serena mas desassombrada lucidez, a tua fina ironia, a consistência do teu pensamento e a elegância da tua expressão vêm enriquecer o espaço público de debate a que fazes muita falta.
    Qunto à "Frente" deixa-me dizer-te, como Eduardo Prado Coelho dizia do "amante de colóquios", algo que já sabes:

    Para a mentira ser segura
    e atingir profundidade,
    deve trazer à mistura
    qualquer coisa de verdade…

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